A primeira proposta de exercício do curso foi: escolher uma página de um dos seus contos ou romances preferidos, transcrevê-la, vivê-la, reescrevê-la a partir do vivido. Leia abaixo uma dessas reescritas, realizada a partir do conto "Ato gratuito", de Clarice Lispector.
Dizem que, para qualquer enfermidade, do corpo ou da alma, o repouso é o melhor remédio. Contudo, quando o mal é o cansaço da luta, angústia que não se acredita poder curar, penso que o melhor combate se dá pelo movimento. Foi assim que, apesar dos planos, me rebelei contra as tarefas e montei na bicicleta sem saber ao certo onde minhas pernas iriam me levar. Apesar do mar não estar para peixes como eu, que têm medo de se afogar, não resisti em buscar a praia. Com o sol acariciando o corpo e o vento refrescando o espírito, atravessei os bairros que nos separam ao longo de suados quarenta minutos no pedal. Era disso, era disso que eu precisava. Não fossem as rajadas de areia que quase me fizeram levitar, teria me derramado por mais tempo. A cadência ritmada das ondas, apesar de furiosas, recuperaram a suavidade da minha respiração. O deslocamento apressado e sufocado para o futuro foi suspendido pelo contato com o agora. Sentindo a eternidade tocar meus pés, coxas, nádegas e mãos, compreendi, enfim, não haver razão para perder a calma. Estou de novo comigo. Suspiro profundamente e mexo a cabeça, estalando o pescoço. Alívio é poder ser salva, mais uma vez, pelo ato gratuito. Aquele que manifesta fora de mim o que secretamente eu sou e pelo qual não preciso pagar o alto preço que custa viver.
Quem não está inscrito no curso, mas quer embarcar na proposta e compor o coletivo de criação, basta acompanhar as postagens do blog e do Instagram (@roteirosminimos) e fazer os exercícios propostos, enviando-nos para publicação.