A terceira proposta de exercício do curso foi escolher uma instrução sobre um objeto cotidiano e pô-la em prática. Leia abaixo os procedimentos seguidos e os resultados alcançados:
Instruções para abrir uma porta
De pé na sala, olhei ao redor, procurando a porta. Certamente era aquele grande painel com alguns objetos incrustados do lado esquerdo, um deles sendo a maçaneta. Aproximei-me devagar, observei a sua aparência branca e uniforme, uma tábua comprida sem maiores atrativos. À sua volta havia o alizar, esse sim com detalhes, um minucioso trabalho de entalhe que funcionava como moldura. Alisei o alizar, era liso. Fiquei imaginando que a porta poderia ser um quadro branco - uma obra de Malevich, só que na forma de retângulo - e o alizar seria a sua moldura. Depois lembrei da maçaneta que servia para abrir o portal, um pequeno objeto mágico. Segurei-a cuidadosamente com a mão direita e girei. Ouvi um leve barulho, o quadro se descolou da moldura, moveu-se alguns centímetros na minha direção. Senti um ar gelado passar por aquela fresta. Parei por alguns instantes, apreensiva, depois empurrei a porta de volta. Sabe lá o que eu poderia encontrar atrás de um quadro de Malevich?
A arte de usar travesseiros
Tardes longas e preguiçosas de inverno, ah, eu conheço bem. Perfeitas para ficar em casa. Ganhei um travesseiro, que veio com um manual de instruções. Eu o folheio enquanto acaricio a felina no meu colo, que ronrona preguiçosamente. Aperto o travesseiro, bem macio e fofinho. Tem cheiro de roupa nova. Coloco uma fronha branca e limpa, como diziam as instruções. Coloco-o na cabeceira da minha cama enquanto leio o meu livro, mas lembro que minha mãe sempre diz que essa postura faz mal para a coluna. Puxo o travesseiro para baixo e me deito de barriga pra cima, fazendo a gata sair de cima de mim, inconformada. Agora tento ler com os braços esticados para cima. Não dá certo. Resolvo ficar olhando para o teto e deixar a minha mente ir viajando. Meus olhos começam a pesar. O manual não dizia isso, mas acho que o meu travesseiro veio com sonífero.
Instruções para se acalmar ou não

Chove lá fora. Vejo a água pingando do céu, das calhas e das árvores. Encho um copo de água. Vejo a água pingando do filtro até encher o copo, que é transparente. Sento-me à mesa. Apoio meu corpo na cadeira e o copo de água na mesa. Agora apoio meu cotovelo à mesa e estico meu braço até alcançar o copo. Meu cotovelo é um ponto fixo para a alavanca que é meu antebraço, uma máquina simples. Com ela, minha mão, que estava no alto e longe do copo, desce e se aproxima de seu alvo. Envolvo o perímetro do copo com a mão, quatro dedos para trás e o polegar para a frente. O vidro é um material duro e resistente à minha pele. Sua temperatura difere ligeiramente da temperatura da minha mão. Ergo o copo. A alavanca agora faz o movimento inverso, lentamente. O peso do copo dá certa gravidade ao gesto. Encosto o copo nos meus lábios. Deixo um pouco de água entrar pela boca. Antes de engolir, sinto o lago que se forma em minha cavidade bucal, sobre minha língua e dentes. A água desce por minha garganta. Diferente da água da chuva, cujo movimento descendente observo, do alto ao chão, o movimento da água dentro do meu corpo me é invisível. Tento imaginar os caminhos que a água percorre dentro de mim. A chuva também percorre caminhos invisíveis quando chega à terra, penso. Estou molhada.
Reconectando

Acordei escutando ruídos estranhos. Não eram muito altos, mantinham a intensidade em qualquer lugar da casa. Pensei que tivesse esquecido a televisão ligada durante a madrugada – não era o caso. Talvez fosse meu cachorro rosnando na porta para o gatinho da vizinha, mas ele estava dormindo no sofá, muito quietinho. Os ruídos não me abandonavam, o que já estava me deixando nervosa. Foi então que percebi, os tais barulhos estavam dentro de mim, ecoavam em minha mente. Falta de conexão com o universo, pensei. Minha vida estava uma correria. Lembrei de um texto que li no blog da universidade. A entrevistada dizia que o ser humano esqueceu que faz parte da natureza, por isso tudo está em desequilíbrio – “precisamos sentir mais a terra, a água, o ar”. Para melhorar essa conexão, ela dava instruções que, a princípio, achei estranhas. Eu precisava encontrar chão de verdade – terra, areia, grama - e cavar um buraco no qual pudesse colocar meus pés. Depois cobri-los, regar e desenhar um sol ao redor, como aqueles que fazemos na areia da praia quando os dias estão nublados – e o meu estava. Foi isso que fiz. Ao final, ficar de pé e sentir o ar em meus pulmões, em inspirações e expirações lentas. Abri meus braços sentindo a troca de energia. Aos poucos os barulhos sumiram. Missão cumprida. Conexão refeita.
Só no contemplativo

Você me diz que não consigo ficar sem fazer nada. Que não sei mais o que é simplesmente estar quieta, relaxada, sem propósito. Sim, você tem razão. Admito. Então, me propus a um experimento. Quinze minutos cronometrados sem fazer nada, absolutamente nada. Só observar pela janela. Bem, pensei, claro que consigo estar parada de frente a uma janela sem fazer nada. Absolutamente nada. Eu consigo. Mas devo confessar que, sorrateiramente, frases que narrariam este meu experimento começaram, como insetos inquietos e incontroláveis, a invadir o meu nada. Tentativa de nada. Se eu pudesse ter escrito naquela hora, você veria quantas imagens loucas, pulsantes invadiam meu corpo. Mas escrever teria sido o fracasso do experimento. Seria admitir que você tem razão. Então, restaram só estas frases opacas que sem sal escrevo sobre o papel. O temporizador não deve ter apitado. Certamente já se passaram mais de quinze minutos. Vinte provavelmente. Olho o tempo cronometrado. Solto um grito nervoso. Foram cinco minutos e vinte e quatro segundos. Será possível? Um sabiá pousa no galho de uma árvore bem próxima à janela. Consigo ouvir seu corpinho em movimento quando canta, ele me diz algo intraduzível, mas que compreendo parcialmente. Seu peito arfa e relaxa, faz gestos intensos com a calda e gesticula com as asinhas uma única vez. Seu canto é bonito na medida das coisas simples e justas. O alarme do temporizador toca, o sabiá me olha com desprezo e voa para onde não consigo ver. A mim parece que menos de um minuto se passou entre o momento que olhei o tempo sendo cronometrado e o alarme indicando os quinze minutos transcorridos. Será possível? Se eu soubesse escrever poemas, escreveria um sobre isso, digo, sobre o tempo, o sabiá e o cronômetro, e então dedicaria a você. Mas como não sei escrever poemas, não há nada aqui.
A cadeira e as costas

Olhei à minha volta naquela sala ampla e bem mobiliada. Puxei uma cadeira qualquer, fiquei em pé, coluna ereta, de costas para ela. Comecei a flexionar suavemente os joelhos para me sentar. Meus joelhos estalaram, senti a velha pontada no joelho esquerdo. Tentei me abaixar lentamente, colocando os músculos das coxas e do abdômen para trabalhar e evitando o choque das nádegas com o assento. Não consegui, e meu peso despencou sobre a cadeira. Me ajeitei e comecei a reparar na cadeira: era de uma madeira firme, nobre, os quatro pés fincados uniformemente no chão; não balançava, mas não muito confortável. Logo minhas costas começaram a sentir o desconforto da posição, o ângulo reto já não muito generoso com os discos lombares ressecados. Eu não iria conseguir ficar por muito tempo ali. Coloquei as mãos em cima das coxas, fiz força sobre os calcanhares para esticar as pernas, os joelhos estalaram mais uma vez. Novamente acionei os esquecidos músculos. Fiquei de pé. As costas agradeceram, mas não vai dar para evitar os analgésicos.
Quem não está inscrito no curso, mas quer embarcar na proposta e compor o coletivo de criação, basta acompanhar as postagens do blog e do Instagram (@roteirosminimos) e fazer os exercícios propostos, enviando-nos para publicação.