Trazendo o acaso para casa – procedimentos seguidos e resultados alcançados

A quinta proposta de exercício do curso foi escolher uma das instruções para fazer irromper o acaso e colocá-la em prática, seguindo o passo a passo. Leia abaixo os procedimentos seguidos e os resultados alcançados:


T de Trapaça [Uma letra para guiar o seu dia]

Entrei na brincadeira. Fechei os olhos enquanto buscava um livro na estante. Eis que me deparo com a primeira encrenca: o livro que escolhi aleatoriamente trata de conteúdo técnico de trabalho. Paralisei! Tive vontade de burlar as instruções. Pensei, cheguei a devolvê-lo ao seu lugar na estante. Mas não seria justo! O objetivo de seguir orientações pré-definidas é justamente improvisar. Resolvido o conflito inicial, segui as demais instruções passo a passo: abri o livro na décima-quinta página. Mais um embaraço: caí na página das referências bibliográficas. Respirei fundo! Acolhi o que o acaso havia me apresentado e dei sequência às indicações contidas no roteiro escolhido. Agora seria necessário ir até a terceira linha e ver a terceira letra da terceira palavra. Que interessante! Encontrei a palavra outcome, traduzida em português como resultado, desfecho, efeito ou conclusão. Estaria eu ansiosa pelo resultado final da minha experiência? Desviei-me do pensamento para não desfocar e prossegui escolhendo 15 palavras com a Trivial letra “T”. Tencionei! Tentei não Titubear. Tomei uma Taça de Tempranillo e entrei num Transe Torporoso. Tateei, Transferindo o Travesseiro para a Têmpora direita e Tombei sobre a Trama de Tecido. Tudo Tranquilo. Triunfei! Transcendi o Tédio e a Tentação de Transgredir na Tarefa. Todavia, Trapaceei na Trama.


Ruidosas recordações [Uma letra para guiar o seu dia]

Remoto ruído rompe repouso.

Reviro-me, reparo rua (reles retintos rapazes, roupas remendadas, rezando, revirando restos, repetindo ratos).

Ruindade.

Romero, rogai.

Resolvo regar rosas,

Renegando ruidosas recordações.

Raiva. Ressentimento. Revolta. Ridículo regime rege rançosas rotas.

Raphael rindo reestabelece rumos.

Refaço, remonto, reconto.

Remotos ruídos relatam

Retratos realistas.

Refletir (e) resistir.


De olhos fechados e coração desejante [Uma letra para guiar o seu dia]

Retirei da estante o livro Performance e Antropologia de Richard Schechner (Zeca Ligièro). Coincidência: havia lido sobre as performances teatrais de M. Abramovic e as poéticas de Yoko. Na terceira linha da página 15 destacava-se a palavra edição cuja terceira letra é o i. Não podia parar para ler nem para editar nada. Sou também rainha do lar. Antes de iniciar a jornada doméstica, comi beiju com café. Sai para o mercado visando comprar iguarias de outros mundos. Foi impactante encontrar tâmaras de origem nas arábias. Imaginei-me, porque uma mulher deseja mais do que a vida doméstica, que estava chegando no Saara exatamente no pôr do sol, de beleza inebriante. Doce ilusão. “Volta prá real” - disse uma voz dentro de mim. Imediatamente dei-me conta de que não tinha passado pela gôndola dos instantâneos . Tinha que pensar na geladeira e comprar pouca coisa pois a infeliz estava com defeito. As rodas quadradas dos carrinhos sempre me irritam e, fazendo força, cheguei. Não ao infinito do deserto, mas ao caixa. Impressionantes os preços! Fiquei irada. Para piorar tinha esquecido o cartão. Que viagem nada interplanetária!!! Cheguei em casa de mãos abanando e cantarolando: “Amélia é que era mulher de verdade”. Eu não, irmã.


Deu M no meu dia! [Uma letra para guiar o seu dia]

Quinta à noite. Fui até a estante de olhos fechados e, tateando, peguei um livro. A Resistência trouxe em sua décima quinta página, terceira linha, terceira palavra, terceira letra, um M. Consoante que poderia movimentar meu dia, trazer maravilhas – magoar. Fiz uma lista de palavras com a letra, que em sua forma possui altos e baixos. Verbos para guiar minhas ações durante toda a sexta-feira. Fiz um roteiro, mas a vida sempre tem espaço para imprevistos. Acordei e movimentei meu corpo. Ajudou a despertar. Muitos compromissos pela manhã – lives intermináveis – me maquiei um pouco para disfarçar as olheiras. Almoço e preparação para ir ao mercado. Máscara no rosto e lá fui eu. Tive que manobrar o carro com cuidado – uma vaga enorme, mas o vizinho não tem noção de distância. Já em casa, medi o sofá que insiste em mostrar seu interior. Preciso encontrar outro bem confortável! Meu filho me avisou que manchei minha calça. Olhei no espelho e o jeans estava todo respingado. Lembrei do aviso de piso escorregadio ao lado da prateleira de água sanitária. Mais reuniões. Jantar feito – espaguete ao pesto – macerei o manjericão no pilãozinho. Que perfume! Sentei para descansar e o telefone vibrou. Trocamos alguns desaforos. Não vale a pena contar. Sequei as lágrimas e menti que estava tudo bem. Magoei e fui magoada. Apaguei no velho sofá.


Noite em branco [Instruções para fazer a leveza irromper ao acaso]

Cortei três pedaços de papel. Em dois deles devia escrever uma palavra que remetesse à ideia de leveza. No primeiro, escrevi leveza mesmo, porque nenhuma palavra remete melhor à ideia de leveza do que a própria palavra leveza. Escrevi leveza com a cor azul, cor do céu e do mar, para onde gosto de olhar quando busco calma. No segundo papel, escrevi calma. Poderia ter escrito tranquilidade ou serenidade, mas calma é mais bonito, mais sonoro, mais calmo. Escrevi calma com a cor roxa, que uma vez me disseram ser uma mistura do azul do intelecto com o vermelho do amor. Antes de dormir, coloquei a leveza e a calma debaixo do travesseiro. Deixei o terceiro papel em branco na mesa de cabeceira ao lado. Fechei os olhos e desejei que, ao acordar, a primeira cor que me viesse à mente fosse o branco. Mas não consegui dormir. Passei a noite em branco. Não teve nada a ver com os papeis debaixo do travesseiro. Foi efeito do antialérgico que me tira o sono. Antialérgico que tomei para acalmar a crise de rinite provocada pelos pelos de uma gata branca. Paciência. Quando amanheceu, e eu não tinha sonhado porque não tinha dormido, peguei o papel em branco e escrevi: paciência.


Desnudar o ser [Instruções para viver um amor tórrido]

Vivi uma vida de amores tórridos que me surgiram ao acaso. Agora diante da estante fecho os olhos com uma certa agitação na recusa de pensar em nomes com a letra M. Insistência do fim. Orquídea que perdura em florir, suas flores secas adornando a mesa com delicadezas. Abro os olhos. Fico na dúvida por onde começar, escolho o lado esquerdo superior e vou soletrando até o livro que me diria coisas que não faziam sentido, inicialmente. Como iria ler aquele trecho, ligar e dizer que tudo não passou de um mal-entendido? Trocar nudes então, nem pensar. Passaram-se dias e resolvi tentar recomeçar agora pela direita. Sorri ao ver o título do livro: Sexo entre mulheres – um guia irreverente. A sugestão era ler uma página sobre as delícias do tribadismo. E agora? Ligo? Tentei a outra estante e repeti o procedimento anterior. Primeiro pela esquerda e depois pela direita. Resolvi construir um outro texto a partir das derivas do acaso, lendo apenas os primeiros parágrafos de cada livro aberto. Veio um título Filosofia do espírito. Em seguida, aquele que seria o último texto, mas que não foi o derradeiro. Era tão pontual que me atravessou por inteira quase me partindo ao meio. Retornei ao primeiro livro e o encontrei fechado. Abri aleatoriamente em outro trecho. Um conselho: tentar. Não se deixar levar pela covardia de viver. Tomei coragem, mandei uma mensagem. Ela me pediu cinco minutos. Acho que vamos trocar nudes: desnudar o ser, o que fomos, o que seremos...


Quem não está inscrito no curso, mas quer embarcar na proposta e compor o coletivo de criação, basta acompanhar as postagens do blog e do Instagram (@roteirosminimos) e fazer os exercícios propostos, enviando-nos para publicação.

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